Correio da Manhã – Cinquenta anos de teatro merecem um balanço. Costuma fazê-los?
Natalina José – Não. Mas em cinquenta anos de trabalho, há coisas que me orgulho de ter feito. Os programas com a Marina [Mota], por exemplo, mulher que que este País esqueceu.
– Esqueceu?
– E não só ela. O Camilo de Oliveira, por exemplo. É outro caso flagrante. Um homem sem idade, que nunca foi homenageado. Depois de morto, não interessa nada. As pessoas têm de ser estimadas em vida...
– Sente-se maltratada?
– Ignorada. Nunca fiz uma capa de revista ou jornal, por exemplo. Parece que este País não gosta da cultura e dos seus artistas.
– Começou na música, ao vencer um concurso de fado...
– É verdade. O maestro Alves Coelho Filho gostou de me ouvir, levou-me para a televisão e depois para a revista que estava a preparar. Acabei por ir fazendo umas rábulas, de que gostei tanto que deixei as cantigas.
– No teatro, cumpriu a vocação?
– No teatro fiz de tudo. Aliás, acho que na minha carreira só me falta fazer Ópera. De resto, estreei-me numa opereta, fiz comédia, drama, teleteatro, telenovela, cinema, telefilmes...
– Mas a revista foi especial?
– Fiz revista quando a revista estava no auge. Quando o Parque Mayer tinha quatro teatros a funcionar em pleno, esgotados. Graças a Deus apanhei isso.
– Tem saudades desses tempos?
– Não sou saudosista, mas guardo boas recordações daqueles tempos. E das pessoas especiais com quem pude trabalhar.
– Quem gosta de recordar?
– Tive a felicidade de trabalhar com a Aida Baptista, que me ensinou muito. Só de a ver em palco. Era um fenómeno. Depois a Ivone Silva, com quem trabalhei oito anos. Era uma mulher excepcional. E depois a Marina.
– Quando começou a trabalhar com a Marina Mota já era um nome consagrado...
– Mas ela ensinou-me muito, apesar de ser mais nova. Nós aprendemos sempre com as pessoas de grande talento e ela é um verdadeiro piolho de teatro.
– Agora voltou à revista, com a companhia do Octávio de Matos?
– Há cinco anos que andamos em tournée, com duas revistas diferentes. Como as câmaras deixaram de ter dinheiro para nos pagar, vamos à bilheteira.
– Não pensa parar e descansar?
– Com a reforma que eu tenho? Recebo 363 euros por mês. A minha reforma não me permite parar. E não gosto de estar parada.
– Na sua apreciação, o meio artístico melhorou ou piorou em 50 anos?
– Piorou em quase tudo. Não se investe na qualidade. Nunca mais se fez um ‘Sabadabadu’ [com Camilo de Oliveira e Ivone Silva], por exemplo.
– E os salários?
– Hoje, paga-se menos do que quando comecei. E o trabalho é muito mais escravizante. Vai-se para o estúdio às oito e termina-se às duas ou trêsda manhã. A produção de telenovelas tornou-se uma fábrica.
PERFIL
Natalina José da Silva Soares nasceu a 10 de Janeiro de 1939, no Estoril, onde reside. Fez 32 revistas, interpretou teatro, televisão e cinema. Fez tournées como cantora e actriz. Foi a Melhor Actriz de Revista de 1987. Tem uma filha de 42 anos e um neto com 13.