No dia mais longo do ano, a porta da sua casa na rua Duque de Loulé abre para os amigos. Num primeiro andar, descalços, na maioria, todos comemoram o momento em que o astro-rei atinge a maior declinação em latitude.
Um convidado, de tantos anos, jura que a pureza do Homem dispensa sapatos e diz que a festa em honra do Solstício de Verão é uma iniciativa cultural onde, entre outros segredos, se come bem. Francisco Anacleto Louçã, 60 anos, não é só um perito em Economia. É também um especialista em bacalhau espiritual. Nas suas mãos, o espírito do paladar fica no ponto. Um comunista saudoso da RDA brinca com um tempero diferente: "Desenxabido, minha senhora, é ver um partidário de Trotsky no Conselho Consultivo do Banco de Portugal (BdP)".
Francisco Anacleto Louçã, saído da direcção Bloco de Esquerda pelo próprio pé, nos bancos de escola sentava-se na primeira fila. Pedro Santana Lopes preferia a última. Padre Armindo Garcia, que leccionava Religião e Moral no Liceu Padre António Vieira, em Lisboa, ainda ri desse pormenor.
NETO DE DEPUTADO DO PPD
Aluno atento, bem comportado, foi suspenso com alguns colegas por causa de uma greve. No recreio recusou 20 tostões do colega que viria a ser o mais breve primeiro-ministro. Para os receber deveria dizer um palavrão, e dos feios, em voz alta. Aos 10 anos como agora, as palavras chegam-lhe de uma racionalidade glacial que jamais o converterá num homem emotivo. Dizem que não perde a cabeça. Dizem igualmente que as notas máximas que obteve ao longo da biografia souberam-lhe domar as estribeiras. Em tempos, no Parlamento, irritou-se tanto com Paulo Portas que lhe atirou a faca de que já tinha visto um riso de uma criança. Viu o da filha, Joana. A mulher terá visto muitos mais: é directora do serviço de obstetrícia da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa.
Neto de um deputado da bancada do PPD e descendente de um militar e de uma aluna de Marcelo Caetano, a religião não teve papel relevante na sua vida ao contrário da Igreja Católica. Francisco Pereira de Moura, seu professor, que fora com ele preso na vigília da Capela do Rato, levou três livros para a eternidade, um deles é a tese de doutoramento de Louçã.