José Pedro Ferreira, director da Faculdade de Ciências do Desporto da Universidade de Coimbra, entrevista José Luís Costa, presidente da Associação de Ginásios.
José Pedro Ferreira - Por que motivo este Decreto-Lei está a levantar tanta polémica e preocupação entre os proprietários de ginásios e de clubes de fitness?
José Luís Costa - Pelo conhecimento do mercado português sabemos que mais de 90% das empresas espalhadas pelo País terão, a médio prazo, uma grande dificuldade em recrutar e seleccionar profissionais em número suficiente para desenvolverem a sua actividade. Neste momento é relevante a procura não ser sustentada pela oferta.
Ninguém investe sem a garantia da existência de um número de profissionais qualificados e experimentados para os serviços a prestar nos ginásios portugueses. E não estamos em momento de desinvestir ou deslocalizar!
Se não coexistirem a formação académica e a formação profissional acreditada e certificada muito dificilmente o mercado português poderá recuperar do seu atraso europeu. A nossa taxa de penetração está calculada em 5.7% quando a média europeia se situa nos 7.9% A nossa vizinha Espanha tem actualmente uma taxa de 16.4%.
A médio prazo o decreto-lei levará, no que respeita à qualificação dos profissionais responsáveis pela orientação e condução do exercício da actividade física e desportiva, ao definhamento de um mercado a necessitar de um salto em frente para se alcançar a prática sistemática de outros países na Europa.
JPF - Não lhe parece que a regulação da qualificação dos profissionais e o aumento das preocupações com os cuidados de saúde e de segurança dos utentes terão efeitos muito positivos para a qualidade dos serviços prestados, e consequentemente para a imagem do sector?
JLC - Pugnamos pela criação de um plano equilibrado de desenvolvimento de competências garantindo a integração de temáticas relacionadas com a segurança dos consumidores/ eficácia na prática do exercício, mas também a integração de conteúdos relacionados com a vertente de diversão/entretenimento.
Não nos parece ter sido possível o crescimento do nosso mercado sem a conjugação do trabalho desenvolvido por certas faculdades, públicas e privadas, escolas superiores e escolas de formação acreditadas e certificadas reconhecidas pelo Estado.
Devemos encontrar o equilíbrio respeitante à segurança dos praticantes envolvendo todas as actividades físicas e desportivas e não apenas o fitness. Quanto mais elevado e exigente o treino mais a necessidade dos profissionais terem acesso aos mais elevados padrões de qualificação para a dupla vertente resultados/segurança.
JPF - O “mundo do fitness” tem sido crítico com muitas instituições de ensino superior na área das Ciências do Desporto acusando-as de formarem profissionais demasiado teóricos. Concorda com esta ideia? Se sim, que estratégias sugeriria para ultrapassar esta situação?
JLC - A maior parte dos actuais e antigos corpos sociais da AGAP são professores e mestres de Educação Física e Desporto. Todos temos um passado no fitness aonde já exercemos várias funções de responsabilidade. Temos protocolos com várias faculdades e escolas superiores em parcerias de cooperação em várias áreas de interesse comum. Neste momento existem negociações com outras para que se alargue a referida cooperação.
No último encontro nacional, realizado em Lisboa, tivemos a honra em receber o Sr. Presidente do IDP, Prof. Dr. Luís Sardinha, distinto catedrático da Faculdade de Motricidade Humana, que amavelmente deu conta da sua satisfação pelo trabalho desenvolvido pela AGAP para a credibilização de um mercado com mais qualidade, segurança e europeu.
Mantemos parcerias com três escolas de formação da nossa área porque continuamos a achar a sua acção essencial para o ingresso e progressão dos profissionais num contexto de grande exigência na luta contra o sedentarismo versus promoção da actividade física.
Todos os profissionais não são demais quando a teoria serve de base para a formação adequada, vocação assumida e dedicação exemplar. Que garantias há, para quem investe a médio prazo num mercado a necessitar de mais 200 mil praticantes, mais 8 mil profissionais e mais 600 ginásios, em todo o País, de profissionais com formação académica especializada na nossa área de negócio provenientes das Faculdades e Escolas Superiores de Educação Física e Desporto?
JPF - Como sabe, desde algum tempo a esta parte a empregabilidade na área das Ciências do Desporto e da Educação Física deixou de ser exclusivamente no ensino da educação física escolar tendo-se alargado a outras áreas de intervenção sendo o fitness uma dessas novas áreas preferenciais. As instituições de ensino superior publico, na área das Ciências do Desporto, lançam anualmente cerca de 700 novos licenciados para o mercado de trabalho, aos quais se acresce um número adicional de licenciados formados por diferentes instituições de ensino superior privado.
O número de licenciados a trabalhar em ginásios e healthclubs tem crescido exponencialmente nos últimos anos, e só não é maior porque muitas vezes o custo de contratação de um licenciado não é obviamente o mesmo do praticado com um monitor cuja formação se resume a um curso com pouco mais de uma centena de horas de formação. No entanto, há que destacar que cada vez mais os ginásios e os healthclubs apostam na qualidade da formação dos seus profissionais, uma vez que essa é a única forma de se manterem competitivos num mercado de trabalho tão concorrencial.
A entrada em vigor do presente Decreto-Lei lança um grande desafio para as escolas de ensino superior em Portugal, um desafio para o qual algumas delas se prepararam antecipadamente, com a criação e a oferta já existente de cursos de pós-graduação e de mestrado (2º Ciclo) que conferem uma formação complementar sólida e de qualidade crescente na área do exercício e da saúde.
Num período em que a profissão docente passa por grandes interrogações e sobressaltos, as condições que venham a ser oferecidas aos profissionais licenciados na área do fitness vai condicionar, em muito, a resposta dos profissionais disponíveis no mercado e, fundamentalmente, moldar de forma determinante as opções de especialização dos futuros profissionais ainda em formação.