O referendo na Turquia, pejado de irregularidades, como se adivinhava, coloca questões sobre a concentração de poderes numa só pessoa, num regime ainda formalmente democrático mas há muito a caminho de outra coisa.
Na Turquia, como na Rússia ou na Venezuela, os cidadãos ainda votam com alguma liberdade mas, paradoxalmente, inclinam-se para líderes pouco amigos dela. Putin e Erdogan têm largas margens de apoio, e estas não se explicam só pela propaganda.
A Turquia de hoje resultou de uma reforma imposta à força que retirou poder aos líderes religiosos e impôs regras e costumes europeus. Erdogan, agora que a UE está fora do horizonte, pisca o olho aos descontentes dessa reforma que iniciou um século de modernização, laicismo e liberdade, valores esses a que agora os turcos dizem adeus.
Atatürk não foi um democrata, mas abriu caminho à democracia. Erdogan quer fazer o caminho inverso. Com o regresso da pena de morte, o presidente, que enclausurou milhares de putativos conspiradores, prepara-se para uma purga mais radical. Quem agora disser que o rei vai nu arrisca demasiado. Vão rolar cabeças na Turquia e não é só uma metáfora.