Não consigo parar de pensar na fotografia da mulher obrigada a despir-se pela polícia francesa, numa praia de Nice. A França já era a pátria dos Direitos do Homem, agora é também a pátria dos Direitos do Homem que aprecia ver a Mulher sem roupa.
Este é mais um exemplo do atraso português face à modernidade que chega da Europa. Onde estão estes agentes desnudadores quando precisamos deles? Tantas vezes que desejei ter a força da lei para obrigar uma rapariga a tirar peças de roupa que eu considerava estarem a mais, só para ouvir, do outro lado, um desencorajador: "Caro Sr. Quintela, embora compreenda o seu problema, o 112 é um serviço de urgências sérias."
Apesar disso, sou contra a proibição de burkinis nas praias francesas. Para já, por imprecisão de linguagem. Nem aquele traje é vagamente parecido com um bikini, nem aqueles sítios à beira do Mediterrâneo podem ser considerados praias. Uma praia tem areia e ondas, não é um charco à beira de gravilha.
Depois, faz-me confusão ver o Estado a dirigir-se a mulheres em locais públicos da mesma forma que um ébrio se dirige a mulheres em bares de striptease. A única diferença é que, enquanto o ébrio enfia uma nota de 20 euros no cós da cueca, o Estado enfia uma multa.
No fundo, o que os franceses estão a dizer é: ‘Somos contra uma cultura que quer impor códigos de vestuário às pessoas, de maneira que vamos então impor um código de vestuário às pessoas’.
Se os muçulmanos obrigam as mulheres a andarem todas cobertas porque consideram que o vislumbre de um pedaço de carne é suficiente para perturbar a ordem pública, os franceses impedem as mulheres de usarem o burkini porque consideram que o vislumbre de indumentária relacionada com o Islão é suficiente para perturbar a ordem pública. São duas civilizações que levam a moda muito a sério.
Por outro lado, é curioso que sejam juízes, que trabalham vestidos com reposteiros, a decidirem que trajes são adequados. Um dos argumentos é o da higiene e segurança. Ora, dizer a uma mulher que espojar-se em cascalho e banhar-se em água suja com combustível de iate é mais limpo se for feito com menos roupa, é o mesmo que dizer que usar cinto de segurança é mais perigoso do que viajar agarrado ao tejadilho só com uma mão. Entretanto, vá lá, os franceses recuaram, acabando por fazer o que fazem melhor: renderem-se. Desta feita, à decência.
Mesmo assim, 444 anos depois do massacre dos huguenotes, o Estado francês voltou a patrocinar um momento de repressão religiosa no dia de São Bartolomeu. O que faz sentido: São Bartolomeu morreu esfolado e, no fundo, a França deseja obrigar muçulmanas a mudarem de pele.
Pode ser só uma coincidência, mas, se eu fosse um francês intolerante e supersticioso, tornava o 24 de Agosto o meu dia predilecto para jogar no Euromilhões.
Ter ou não ter, eis a intrusão
A partir de 2017, o Estado vai passar a ter acesso às contas bancárias de portugueses com mais de 50 mil euros no banco. Esta intrusão seria aberrante, não fosse o caso de, a continuar com esta governação, em 2017 só deverem existir dois ou três portugueses com contas de mais de 50 mil euros – sendo um deles Carlos Santos Silva. Portanto, trata-se de uma invasão de privacidade meramente académica.
Mais do que preocupado em que o Estado saiba quanto dinheiro eu meto em bancos, estou preocupado em saber quanto dinheiro o Estado mete em bancos. Mas isso ninguém diz.
Dinheiro deitado à caixa geraldina de depósitos
A questão do fim do sigilo bancário tem gradações. Por exemplo, 50 mil euros numa conta da Caixa Geral de Depósitos vão passar a valer, daqui a algum tempo, pouco mais que 50 euros. Trata-se de uma desvalorização normal no dinheiro depositado em bancos cujos administradores ainda andam na escola a aprender a ser banqueiros.
A Caixa está um tal bordel que vai mudar de nome: de Caixa Geral passa a Caixa Geraldina. E a expressão idiomática ‘dinheiro deitado à rua’ está prestes a ser substituída por ‘dinheiro deitado à Caixa’.
Um dicionário de sinónimos para o ‘DN’, sff
No ‘DN’ de ontem saiu uma notícia sobre a CGD titulada ‘Redução de mais de 2500 trabalhadores ‘não é viável’’. Nela, os jornalistas usam 11 vezes variações da palavra ‘cortes’, 3 vezes ‘saídas’, 4 vezes ‘reestruturação’, 3 vezes ‘redução’, 2 vezes ‘redimensionamento’ e uma vez ‘perdeu’.
Num texto sobre despedimentos, de 1059 palavras, conseguem falar tantas vezes em despedimentos sem usar uma única vez a palavra ‘despedimento’. Devem ser estupendos a jogar àquele jogo em que têm de descrever uma pessoa ou coisa sem a nomearem.
Mas tiveram uma ajuda: a única fonte citada é João Artur Lopes, presidente do Sindicato de Trabalhadores das Empresas da CGD, que nunca fala em despedimentos, só em cortes. Ora, um sindicalista eufemístico só consegue medrar com este Governo.