À medida que o calor avança, as insónias levam-me para a janela nas traseiras de casa, em busca de ar fresco.
Sempre que o faço, reparo numa subtil obra dos construtores da minha avenida. O topo de cada um dos espaços para estacionamento, entre os prédios, tem o formato de um corvo, realçado pela calçada portuguesa, pois as pedras azuis formam o rebordo da ave que é símbolo de Lisboa, do bico às penas da cauda.
Nos últimos 60 anos, essas pedras viram nascer e morrer milhares e testemunharam muitas mudanças. Talvez lá fiquem mais 60 anos, e possam ser vistas por um futuro ocupante da casa, cheio de calor, em noite de insónias. Mas só se travarmos hoje os presidentes de juntas de freguesia que, por interesse ou tacanhez, tudo fazem para liquidar um símbolo de Lisboa ao qual preferem chamar "flagelo".