“Achou-se muda e queda, sem saber para onde ir, a olhar para a lua cheia a subir no céu. Arrepiou-se ao ouvir um uivo horripilante”
Fazia-se desinteressada, fingindo a mirar os altos desenhados pelos pés no cobertor ao fundo da cama, mas perguntava-lhe a medo:
– Ó Manel, mas onde foste?
– Ó mulher, deixa-me. Olha... fui ver os bichos!
Noutras alturas, tentava apanhá-lo com mel, que é como as mulheres se saem melhor.
– Manel, já casámos há tantos meses e nunca mais saímos…. nem para o baile da aldeia! Com estas noites tão amenas, podias levar-me um dia destes contigo a ver o luar?
– Deixa-te estar sossegada, mulher! Ainda ficas doente.
Júlia ouvia desculpa atrás de desculpa e calava-se, apertando o lençol contra o peito angustiado.
Andava amargurada e enciumada com aquelas misteriosas saídas noturnas. Até lá na venda já tinham notado.
– Júlia, que se passa rapariga? Casaste há tão pouco tempo e já andas assim aos caídos? Anima-te! – dizia a patroa.
Um dia, confessou-se.
–É que ele… volta não volta desaparece, e só regressa a casa já de amanhã!
– Ó mulher e tu nunca foste atrás dele? És parva ou quê? Ou tem outra ou é enguiço! – garantiu-lhe Belmira num rompante. Pois devia ser parva, sim! Mas ia deixar-se disso...
Nessa noite esperou que ele saísse e saiu-lhe no encalço. Viu-o a curvar junto à estrada, ao pé da serração, mas perdeu--lhe o rasto assim que entrou na floresta. Achou-se então muda e queda, sem saber para onde ir, a olhar para a lua cheia a subir no céu. Arrepiou-se ao ouvir um uivo horripilante. Sentiu um aperto no peito maior que todas as suas angústias. Rodou nos calcanhares para regressar depressa a casa mas apareceu- -lhe um cãozito a ladrar-lhe aos pés. Era pequeno mas parecia raivoso e abocanhou-lhe um bocado da saia de lã!
– Ai, chispa-te daqui! – enxotou-o com o pé e correu. De terço nas mãos, aguardou a chegada do marido. Nessa manhã, porém, trazia um fio de lã preso nos dentes e uma nódoa negra na cara.
Júlia pensou e remoeu, lembrando-se das palavras de uma velha tia que costumava contar-lhe histórias de lobisomens.
– Ficas a saber… é tirar-lhes a roupa todinha e deitá-la ao forno a arder! – avisava-a.
Então Júlia assim fez. Quanto muito, só se perdiam os trapos. Dentro do forno ouviu-se um estoiro que fez Manel acordar estremunhado. Mas nunca mais voltou a passar uma única noite fora de casa, conforme se conta, ainda hoje, lá para as algarvias bandas da Fuzeta.lD