João Lopes era uma grande figura, em todos os sentidos.
Grandão de carnes, lambão de boca e, acima de tudo, um enorme actor, de finíssimo humor e desconcertante "estar nas vidas", a pessoal e a profissional. João Lopes, por dever de ofício e a instância de amigos, frequentava amiúde o ‘Biafra’, esmerada e acertada alcunha por que era conhecido o refeitório da RTP, no Lumiar, pelos idos de 80.
Já figura pública de proa, João ostentava o seu optimismo encartado, nem que fosse para chatear os conterrâneos alentejanos. E assumia, naturalmente, a sua costela de petisqueiro – pelava-se por depenicar do prato dos outros, fossem eles conhecidos ou nem por isso. O dedinho em riste avançava sem delongas e sem "se-faz-favores" até ao pastelinho de bacalhau ou à batata frita do parceiro ou do cliente da mesa ao lado.
No ‘Biafra’, jovem debutante aterra na mesa de João Lopes e amigos, carregando no tabuleiro o bife com batatas e ovo a cavalo. Uma mixórdia. Já refastelado, João disserta sobre a vida, a grande vida, e sobre enormes projectos de futuro.
O jovem, ainda embasbacado, vai escutando João Lopes e vendo desaparecer as batatinhas do prato. E quando vem a terreiro uma discussão sobre a vida e a morte, João cita logo Woody Allen, ao garantir que "a vida é dura e chata, mas ainda é o único lugar onde se pode comer um bom bife!"
João Lopes foi um ser humano excepcional e consensual. Na vida e na morte, no palco e nos bastidores, poucos se atreveram a decorá-lo de críticas ou maledicências, até porque seria esforço desmesurado e inócuo. E só alguns colegas do teatro tinham o desplante de confessar, com vergonha bem-disposta, que João fazia bem em 5 minutos o que muitos deles demoravam dias, no torturante labor de decorar e interiorizar um papel.
João Lopes, homem de várias artes e muitos ofícios, fez sempre a simbiose perfeita entre o aristocrata e o plebeu, o teatro e o cinema ou TV, a comédia e o drama, o humor e a simples anedota. Anos depois da história das batatinhas, João Lopes, florentino e muito a sério, responde a outro jovem que supõe fazer- -lhe um grande elogio. "O senhor é um grande cómico!" João puxa da ironia. "Quem me dera! Sou apenas um actor que gosta do que faz!"
Naquele dia, no ‘Biafra’, quando se acabam as batatas fritas, o rapaz tenta arremesso de humor. "Ó João! Se quiser, pode comer também o bife..." João Lopes, grande actor, abre muito os olhos. "‘Tás maluco! O bife aqui é uma ganda porcaria!" Era assim João Lopes, de seu nome completo João Nicolau de Melo Breyner... Lopes.