"Bom dia, continuidade!" São estas as primeiras palavras de Diogo Carreira ao chegar à CMTV, de segunda a sexta-feira. Um altifalante devolve-lhe a saudação. São 04h20, e não tem ninguém à volta. Mesmo a voz que lhe responde está noutro espaço do edifício da Cofina, em Lisboa, e não é sempre a mesma pessoa que passa a noite a prevenir falhas na emissão.
Diogo está habituado a acordar às três da manhã - à cautela, mantém oito despertadores -, demorando 15 minutos a vir de Sintra. "Não há trânsito", explica o jornalista de 26 anos, que assegura há um ano, desde a fundação da CMTV, um "horário doloroso", que lhe traz uma enorme compensação. "É aqui que metemos a máquina a mexer", afirma o coordenador, enquanto lê jornais, ouve noticiários e espreita a ‘passagem de serviço' do turno anterior. Há muito para fazer antes do noticiário das seis.
É por isso que Rui Pedro Vieira chega à redação às 04h35. O jornalista de 32 anos, um dos pivôs da CMTV, não costuma entrar tão cedo. Saiu de casa sem acordar a filha, quase a fazer um ano, mas a mulher não teve igual sorte. Tem agora uma hora para ver o alinhamento e preparar peças, antes de descer ao piso térreo. Na sala de guarda-roupa, não tem um segundo de hesitação - Swailla Delgado deixou pendurados a camisa e o casaco que irá vestir nesta terça-feira.
Apesar de adorar a pivô Cátia Nobre, que está de férias, a maquilhadora Priscila Veríssimo, de 32 anos, está feliz por vê-lo, pois um homem dá "meia hora de avanço". "Ele nem tem muitas olheiras. O pior são os golpes ao fazer a barba", diz, lembrando o dia em que gotas de sangue sujaram duas camisas. "Queres que te ensine a fazer a barba?", perguntou então Swailla.
CARRINHA CAPOTADA
Dez minutos antes de se apresentar aos telespectadores, Rui Pedro está sozinho em estúdio. A poucos metros, na régie iluminada apenas por dezenas de ecrãs, Rui Correia, de 48 anos, tem à frente uma consola de realização com 300 botões, dos quais usará sobretudo três.
O noticiário arranca, com um roubo violento em Évora, um naufrágio, e a suspensão de um GNR stripper. Ainda não são sete quando Diogo recebe uma SMS do diretor-adjunto Carlos Rodrigues dizendo-lhe para fazer uma correção. Pouco depois, o telemóvel volta a tocar: uma carrinha de valores capotou na ponte Vasco da Gama. Nuno de Sousa Moreira e o repórter de imagem Nelson Malcata avançam logo para o local.
Para a rua, segue também a repórter de trânsito Sofia Piçarra. Já andou de moto pelos acessos a Lisboa, mas agora vai de carro. "Deixam-nos passar. Os automobilistas sabem que lhes estamos a prestar um serviço", garante, antes de se lançar na missão que é de Ágata Rodrigues no Porto: explicar a melhor rota de casa para o trabalho.
Antes das oito, chega Maya, rosto do ‘Manhã CM'. E o coapresentador, Nuno Graciano. "Hello, is it me you're looking for?", canta, qual Lionel Ritchie, enquanto Rui Correia recorre à "peça do xixi", como o realizador chama a notícias mais longas, que lhe permitem ir à casa de banho, em contrarrelógio.
"Se fizer com que uma pessoa tenha um dia melhor, já valeu a pena", diz Nuno Graciano, embora Maya saliente o aumento de feedback. "No início, perguntavam onde estava, pois não me viam. Agora, comentam as minhas brincadeiras com o ‘Tio Careca'", garante, invocando a alcunha do colega.
PALAVRAS IRREPRODUZÍVEIS
Já a coordenadora do ‘Manhã CM', Joana Domingos Sá, de 26 anos, se instalou na régie quando a dupla entra para o estúdio. "Alguém me explica o problema?", interroga-se Maya, sobre o GNR stripper. O debate continuará, já no ar, com o redator principal Manuel Catarino.
Agora é tempo para mais um noticiário, no estúdio inserido na redação, já com imagens da carrinha capotada. Não muitas, pois os repórteres da CMTV foram identificados pelas autoridades na ponte Vasco da Gama. Na régie, a produtora Patrícia Santana prepara a entrada em direto da redatora principal Tânia Laranjo, que cobre uma sessão do processo ‘Face Oculta', e do editor da delegação de Évora, Alexandre Silva, no julgamento de uma mulher acusada de envenenar o marido.
São dez quando Carlos Rodrigues se reúne com Diogo Carreira e com as coordenadoras do ‘CM Jornal 13H', Andreia Vale e Isabel Lacerda. Apontam-se falhas e temas a aprofundar, mas também é pedido a Isabel para instar um repórter a nunca mais recorrer a uma expressão "que se usava nas televisões há 20 anos".
Na régie, o número de expressões irreproduzíveis disparou. Além da constante entrada e saída de pessoas, está em curso uma reparação no ar condicionado. Joana vê no computador o alinhamento do próximo bloco de notícias e discute com Diogo, via microfone. "Estou a pedir-te que seja mais curto, pois preciso de mais tempo no programa!" Não é para menos: o cantor Nel Monteiro está a contar como serviu à mesa o "homem bom" Salazar e procurou proteger Spínola da PIDE.
Cumprida a promessa de um noticiário ‘resumido', prossegue a conversa, mas Maya e Graciano recebem apelos nos auriculares para lançarem a atuação de Cátia Palhinha. A ex-concorrente de ‘reality shows' entra, com roupa colante e dois bailarinos de penteado insólito, mas a mesa e as cadeiras não são retiradas a tempo, gerando nova vaga de palavrões. Só volta a haver animação quando interpreta ‘Rapaz da Bilha' e ‘Kizombar', levando Rui Correia a balançar o tronco enquanto dá indicações à sua equipa.
NÃO HÁ SPEEDY GONZALEZ
O ‘Flash Vidas', noticiário dos famosos, está agora a ser apresentado por Lara Afonso. Após notícias sobre divórcios, lutos e problemas legais, há um debate sobre o vídeo que mostra Cristina Ferreira a largar a prenda de um telespectador. Os convidados defendem que o objeto escorregou das mãos da estrela da TVI, o que leva Lara a atirar os seus cartões ao chão para ilustrar a diferença entre acaso e intenção. "Foi um improviso", garante a coordenadora do programa, Rute Lourenço.
O regresso à informação pura e dura dá-se com Andreia Vale em estúdio e Isabel Lacerda na régie. Não há hipóteses de direto com Passos Coelho, mas o ‘CM Jornal 13H' segue sem problemas até a realizadora Carina Santos, em início de turno, alertar que "o Mário perdeu acesso aos shots da robótica". Ou seja, o sistema que movimenta as câmaras no estúdio sem que haja nenhum operador lá dentro. Tudo se resolve em minutos.
"Hoje estou muito entaramelada. Não há cá Speedy Gonzalez", avisa a pivô à coordenadora, empenhada em que certas notícias arranquem a horas precisas. "Estamos a competir com todos. Com os telejornais das generalistas da uma e com os do cabo às duas", explica Isabel Lacerda à ‘Domingo', adiando uma pausa para beber água.
Andreia pode fazê-lo enquanto as peças passam, mas uma delas inspira-lhe um desabafo: "Foi nesta escola que andei à porrada pela primeira vez!" "Por isso é que és avariada...", responde-lhe Isabel, que terá logo adiante novo susto. João Rodrigues está no julgamento de um jovem que matou a mãe à catanada quando o auricular lhe escapa da orelha. Não se atrapalha e diz tudo o que há para dizer, fazendo uma pausa que permite passar para outro direto.
Para Andreia Vale, que aceitou ser um dos rostos da CMTV, após 12 anos na SIC, o balanço do primeiro ano é "sofrido, mas positivo". Muitos jornalistas nunca tinham feito televisão, mas aprenderam a "contar histórias com imagens", esperando estar a retribuir agora o que lhe ensinaram quando dava os primeiros passos na televisão.
DIA DE ANIVERSÁRIO
Feita a "passagem de serviço" para Marcos Pinto, que apresenta e coordena noticiários à tarde, há tempo para a ‘merenda', antes de nova reunião, às quatro. Volta a estar presente Carlos Rodrigues, tal como o diretor-adjunto Armando Esteves Pereira, que antecipa destaques do próximo ‘Correio da Manhã', e Tiago Rebelo, coordenador do jornal das 20h00. Todos ouvem as sugestões do subchefe de redação Ricardo Tavares, que diariamente chega às 05h45 para um trabalho fulcral para o jornal e televisão. "Faço uma análise comparativa, para ver em que é que estivemos bem e menos bem. E filtro a agenda, para ver aquilo que pode ter diretos", explica. Todos têm de ser aprovados pelo diretor da CMTV e do ‘Correio da Manhã', Octávio Ribeiro.
Antes de encerrar a reunião, Carlos Rodrigues alerta para o que vai acontecer na segunda-feira, dia de aniversário do canal. "Vamos levar a CMTV a sítios onde aconteceu notícia", anuncia, explicando que caras conhecidas da informação aparecerão em quatro ou cinco pontos diferentes de Portugal.
O aniversário também está na mente de Francisco Penim, diretor-adjunto para a Programação. Uma das ideias é ter "figuras a trocar de lugar", pelo que, entre mais surpresas, João Malheiro será o ‘polícia da moda' na segunda-feira. Quanto aos programas da grelha, o criador da SIC Radical destaca ‘Liga Futre', que triplicou a audiência média no seu horário. Nas semanas piores, pois chega a atrair dez vezes mais pessoas.
No coração da redação, agora cheia, José Carlos Castro prepara o ‘Jornal CM 20H'. Para o experiente pivô, um dos diretores-adjuntos da CMTV, existe uma clara diferença: "Procuramos, mais do que os outros, dar notícias." O fluxo de informação, graças à fusão com a "redação de sucesso" do ‘Correio da Manhã', é uma grande ajuda, mas também salienta "o entusiasmo que as pessoas imprimem ao seu trabalho". Algo que motiva e permite uma evolução espantosa. "Pensava que faríamos depois do segundo ano o que estamos a fazer agora", diz, sobre esta "pressão positiva".
Também o coordenador Tiago Rebelo salienta a "adaptação fantástica de quem nunca tinha feito televisão", o que resulta numa redação muito grande. E que inclui "a maior rede de correspondentes em todo o País".
À hora do jantar, a CMTV quer ser uma alternativa. "A nossa informação faz sentido se oferecermos uma realidade que os outros não oferecem", garante o também romancista, contrapondo a fixação no "círculo do poder" e "nos gabinetes dos ministros" ao ouvir "a sociedade, o mais próximo possível".
E o certo é que, enquanto José Carlos Castro lança uma notícia sobre um crime, duas das generalistas mostram deputados. A terceira só não o pode fazer por estar a transmitir um jogo de futebol. O dia da CMTV vai caminhando para o fim. Mas amanhã há sempre mais notícias.
CAIXA: A MONTRA DA CMTV PARA QUEM NÃO TEM MEO
Um "companheiro da emissão" e a "montra da CMTV para quem não tem Meo", é como Miguel Martins, subchefe de redação Multiplataforma, descreve o site da CMTV, que tem 1,1 milhões de visitas, 2,4 milhões de pageviews, e 61 mil likes no Facebook. "Colocamos logo o que é muito importante, antes de os outros darem as nossas notícias como se fossem deles", diz.