"Esta decisão resulta do facto de que a nossa justiça é frágil e ela nunca foi capaz de trazer decisões realmente independentes", declarou à Lusa José Manteigas, porta-voz da Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), principal partido de oposição.
Em causa está a decisão de hoje do Tribunal Superior de Gauteng, em Joanesburgo, ordenando à África do Sul que extradite o ex-ministro das Finanças moçambicano Manuel Chang, preso há quase três anos sem julgamento, para os Estados Unidos, invalidando a extradição para Moçambique anteriormente anunciada pelo Governo sul-africano.
Esta decisão judicial surge na sequência de um recurso urgente do Fórum para a Monitoria do Orçamento (FMO), que contestou a decisão do ministro da Justiça sul-africano Ronald Lamola de extraditar Manuel Chang para o seu país, anunciada em agosto passado.
Para o porta-voz da Renamo, se o sistema de justiça moçambicano fosse credível, os Estados Unidos e a própria sociedade civil moçambicana não teriam insistido na extradição de Chang para os EUA, uma figura apontada como "chave" para o esclarecimento do maior escândalo de corrupção que Moçambique conheceu, o chamado caso das 'dívidas ocultas'.
"A nossa justiça é muito fraca para os ricos e muito forte para os pobres. Mesmo analisando o julgamento que está em curso em Maputo sobre o caso das dívidas notamos que os que realmente lideraram este calote não estão no banco de réus", frisou o porta-voz da Renamo.
Por seu turno, Fernando Bismarques, deputado do Movimento Democrático de Moçambique (MDM), terceira força política no parlamento moçambicano, entende que a decisão é resultado da politização do sistema de justiça moçambicano.
"Nós entendemos que há suspeitas que se levantam sobre o nosso sistema de justiça. Ele está politizado e controlado", declarou o deputado.
Embora considere que a extradição de Chang para Maputo podia colocar o sistema de justiça à prova, o deputado do MDM observa que os contornos do julgamento principal em Maputo demonstram a falta de independência do sistema, o que justifica a pertinência da decisão do Tribunal Superior de Gauteng.
"O Tribunal da Cidade de Maputo, no meio do julgamento, decidiu ilibar o Presidente da República [Filipe Nyusi], na altura ministro da Defesa, e o antigo chefe de Estado [Armando Guebuza], afirmando que não encontrou evidências de que estas figuras receberam dinheiro de subornos em suas contas. Entretanto, o antigo diretor da secreta moçambicana [Gregório Leão] também não recebeu dinheiro diretamente na sua conta, mesmo assim está detido. Nota-se aqui os contornos de uma influência política e partidária neste processo", declarou Bismarques.
Aos 63 anos, Manuel Chang foi detido em 29 de dezembro de 2018 no Aeroporto Internacional O. R. Tambo, em Joanesburgo, a caminho do Dubai, com base num mandado de captura internacional emitido pelos EUA em 27 de dezembro, pelo seu presumível envolvimento na "cabala" multimilionária no vizinho país lusófono.
A prisão de Manuel Chang foi legal ao abrigo do tratado de extradição entre os EUA e a África do Sul, assinado em setembro de 1999, em Washington, segundo o Ministério Público sul-africano.
A África do Sul não tem acordo de extradição com Moçambique, que contestou o pedido de extradição norte-americano de Manuel Chang para os EUA, país com o qual Maputo também não tem tratado de extradição.
Nos últimos três anos, o ex-governante moçambicano, que é tido como a "chave" no escândalo das chamadas dívidas ocultas, enfrentou na África do Sul, sem julgamento, dois pedidos concorrenciais dos Estados Unidos e de Moçambique para a sua extradição do país.
Chang foi ministro das Finanças de Moçambique durante a governação de Armando Guebuza, entre 2005 e 2010, e terá avalizado dívidas de 2.2 mil milhões de dólares secretamente contraídas a favor da Ematum, da Proindicus e da MAM, as empresas públicas referidas na acusação norte-americana, alegadamente criadas para o efeito nos setores da segurança marítima e pescas, entre 2013 e 2014.
A mobilização dos empréstimos foi organizada pelos bancos Credit Suisse e VTB da Rússia.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.
Manuel Chang é arguido nos autos de instrução preparatória, num processo autónomo, registado sob o n.º 1/PGR/2015 e n.º 58/GCCC/2017-IP que correm termos na PGR de Moçambique, segundo o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique, em 31 de janeiro de 2019, que instruiu o pedido de extradição moçambicano, consultado pela Lusa.
No julgamento do processo principal das 'dívidas ocultas', que decorre em Maputo, estão sentados no banco dos réus 19 arguidos que o Ministério Público acusa de associação para delinquir, peculato, tráfico de influência, corrupção passiva para ato ilícito, branqueamento de capitais, abuso de cargo ou função e falsificação de documentos.