Em anos normais, a média de espectadores para filmes nacionais não chega a 1%.
Dentro de dias, começo a rodar um novo filme, o que me levará, durante seis semanas, a interromper esta coluna. Isso deu-me pretexto para explicar aos leitores a aberração em que vive o cinema em Portugal desde o 25 de Abril, sem que nenhum governo ousasse fazer uma ruptura com o passado. A bem dizer, essa política vem do governo marcelista, e, no essencial, nunca foi posta em causa.
Pressionado pelos cineastas da minha geração, que, nos anos 70, conseguiram afirmar-se, com a ajuda da Gulbenkian, o governo de Marcelo Caetano promulgou, em 1971, uma lei que impunha uma taxa de 15% sobre cada bilhete vendido, para financiar o cinema português. Só que, não fosse o Diabo tecê-las, em vez de obrigar as salas a investir directamente 15% das suas receitas em novos filmes portugueses, o governo obrigou distribuidores e exibidores a entregarem esse dinheiro ao Estado que, depois, seleccionava os projectos que mereciam ser financiados, ou seja, os que não iriam pôr problemas ao Regime.
Desde então, este paradigma não se alterou. Mais: tornou-se cómodo para a maioria dos cineastas que os críticos do ‘Público’ e do ‘Expresso’ consideram "autores" e que invariavelmente recebem subsídios para fazer filmes que, na sua maioria, só podem ser vistos com Manual de Instruções. Os resultados estão à vista: em anos normais, a média de espectadores para filmes nacionais não chega a 1%, quando na Europa anda nos 23%! Isto porque continua a ser o Estado que recebe o dinheiro dos distribuidores, exibidores, TV generalistas, canais de cabo, VOD e editores de DVD, e que depois decide quem deve filmar. Esta forma de apoiar directamente os cineastas é tão aberrante como seria uma política da saúde que fosse feita directamente para os médicos e não para os cidadãos, ou, se preferirem, para os utentes da saúde.
Por isso sempre defendi que se devia falar em "utentes da cultura", e que estes deveriam ser os principais destinatários das políticas públicas de apoio às artes, neste caso, ao cinema. Se a música, por exemplo, dependesse deste sistema de concursos e de subsídios, teríamos todos os anos apoios a nomes como Emanuel Nunes, mas nunca, por nunca, teríamos tido direito a ouvir as músicas de Jorge Palma, Rui Veloso ou Sérgio Godinho. Fiz-me entender?