O retrato de Svetlana Davydovna é uma herança que recebi do tio Alberto.
Nesta altura do ano, regular como um pêndulo afinado em Vila Nova de Famalicão, o tio Alberto abandonava São Pedro de Arcos – entre os bosques que se preparavam para o Outono, lá nas altitudes limianas – e partia para a sua grande viagem anual. A família nunca queria saber mais do que a data aproximada do regresso, para não ser apanhada em falso; todos sabíamos que o tio Alberto tinha uma outra vida em que não participávamos e que a existência dessa outra vida era uma condição da sua própria sobrevivência. Éramos igualmente cuidadosos na altura em que reentrava em Portugal, depois da longa viagem de Genebra até aos portões de Tui e Valença.
Passados tantos anos desde as suas derradeiras viagens – quarenta? –, sinto falta delas como uma derradeira prova da existência de Svetlana Davydovna, a beleza exótica e melancólica de Astrakhan que cativou o tio Alberto até à morte e, como acredito, muito para lá dela.
O dr. Paulo, que apareceu para o jantar de sábado (esqueci-me de mencionar que a sua presença, por convite da minha sobrinha Maria Luísa, tem vindo a tornar-se um agradável hábito, embora ocasional, nos serões de Moledo), reparou na sua fotografia numa das paredes da biblioteca – designação que se atribui, na família, à divisão onde os livros e os álbuns de fotografia se acumulam neste eremitério – e quis saber de quem se tratava. "Uma princesa russa", esclareceu Maria Luísa.