Fidel Castro foi um dos heróis da geração a que pertenço. Ele representava a negação da hegemonia norte-americana e a possibilidade de os mais fracos poderem dizer não aos dominantes. Há qualquer coisa de grandioso e, acaso, de infantil nesta decisão.
No entanto, está de acordo com a história do homem, do David e do Golias como representação da força interior que em cada um de nós existe e se oculta. A necessidade e a urgência de se ser livre acomodam-se em todos os homens, e os exemplos que iluminam e constroem a sua história podem ser encontrados nas aventuras aparentemente mais banais.
Quando José Fernandes Fafe foi embaixador de Portugal em Cuba, apropinquei-me para o lugar de adido cultural. Mas logo um importante membro do Governo provisório de então, que me detestava, ainda hoje não sei porquê (ou sei e não quero revelar, o homem já morreu), impôs o seu poder para negar o meu sonho modesto. Fiquei por aqui, sem raiva nem tortura, a trabalhar em jornais. Nesse mesmo tempo, um romance meu, ‘Cão Velho entre Flores’, foi editado em Cuba. Isso bastou para aligeirar a minha pequena decepção.
Sempre segui, com a inquietação própria dos grandes alvoroços, os acontecimentos que marcaram a história da ilha, a grandeza de Fidel e as convicções de Che Guevara. Sou desse tempo e nunca abjurei daquilo que foi o sangue da minha juventude e as inquietações da esperança, que permaneceram até hoje. Morreu Fidel Castro e sei muito bem que nada será como dantes. Falo do coração de pessoas, não de seres anómalos.
As coisas são assim mesmo, e a estrutura ética de certos homens vai redimensionar-se no coração e nos ímpetos de outros homens. A revolução nunca acaba, apenas muda de sítio, de fisionomia, de respiração e de processo. Ensinou-nos Cícero e outros mais, que sabiam ouvir e decifrar o bater das nossas emoções mais recônditas.