Feliz, eu com a entrada no bolso, avançava firme para a Praça, à espera de ver história. E vi.
Desafiado por um amigo, e felizmente de férias no sul de Portugal, rumámos a Huelva, na posse de dois milagrosos ingressos para ver essa figura mítica do toureio que dá pelo nome de José Tomaz. Praça de Touros de "La Merced", num final de tarde muito quente de uma sexta-feira, 5 agosto de 2016. Cheio de "Não há bilhetes". Anunciavam-se touros de Victoriano del Rio, todos eles bem apresentados e com mobilidade. Para os lidar, um cartel composto por José Tomaz que regressa a Huelva, cidade e praça a que está quase umbilicalmente ligado, pois, raros são os anos em que Huelva não faz sempre parte da sua época, apesar de serem sempre épocas demasiado curtas, pelo atual líder do escalafon, Lopez Simon e por David Miranda que recebia nessa tarde/noite alternativa das mãos de José Tomáz. Nas bilheteiras da praça, o cartaz dizia; "Cheio - Não há bilhetes".
Feliz, eu com a entrada no bolso, avançava firme para a Praça, à espera de ver história. E vi.
José Tomaz entrou no ruedo e concedeu a alternativa a David Miranda, cedendo-lhe a lide do primeiro da tarde. David Miranda, andou bem de capote, toureando com arte, e aparentando uma calma que certamente não teria. A sua quadrilha bandarilhou o touro, num tércio sem história. De muleta andou bem por ambos os lados, esteve mandão com o touro, não mostrou receio, nem do oponente, nem dos companheiros com quem dividia o cartel. Matou com uma estocada certeira. A Praça levantou-se em apoio ao seu toureio, ao toureiro da casa. Foi-lhe imediatamente concedida uma orelha, tendo o público levado o toureiro ao colo para a concessão da segunda. Uma boa lide, mas exageradamente premiada. David Miranda, certamente não terá ao longo da sua carreira, que se espera longa e premiada, muitos diretores de corrida tão generosos como este.
E chegava a vez de José Tomaz. A praça estava cheia para o ver. Inicialmente, foi recebido de forma fria, desconfiada. Parou o touro ele mesmo, com aventais cingidos a si. De seguida, oferece ao público três chicuelinas e duas revoleras de grande classe e toda a desconfiança e frieza do público foi embora e a praça entrou em ebulição. A sua quadrilha bandarilhou num tércio sem comentários. E de seguida, bom de seguida, aconteceu qualquer coisa diferente. José Tomaz agarrou na muleta e certamente que alguém às escondidas do público, pregou-lhe uns valentes pregos nos pés no centro da praça. O homem aplicou ao touro uma lide extraordinária. Pela Direita, com os seus famosos "Direchasos", ou pela esquerda com os não menos famosos "naturales", foi uma demonstração de classe, de coragem, de energia e de toureria. Presenteou o público com um número incontável de estátuas, demonstrando uma força de pulsos extraordinária. O braço junto ao corpo, formando um anglo recto com o antebraço. Não cabia nada entre ele e o touro. Voltou a presentear o público com todo o tipo de desplantes. Para finalizar, uma estocada certeira e a concessão de duas merecidas orelhas, sem qualquer tipo de favor, com o público perfeitamente em delírio.
Seguia-se Lopez Somon. Não é fácil tourear atrás de José Tomaz, ainda por cima depois de um triunfo daquela magnitude. Lopez Simon recebeu-o bem, com duas excelentes séries de capote, variando muito os lances, talvez percebendo de imediato que o touro teria poucas condições de lide.
Mas se no capote mostrou algumas complicações, com a muleta foi pior. Este terceiro da tarde, foi o touro com pior mobilidade, parava-se em demasia, com investidas bruscas, metendo ora as mãos ora a cabeça muito alta e sempre à procura do toureiro. Só um toureiro com muitas corridas toureadas, com muito sítio, conseguia fazer o que Lopez Simon fez, para conseguir arrancar algumas séries de muleta, principalmente pela Direita. Lopez Simon mostrou porque é hoje e por pleno direito, uma figura do toureio espanhol e mundial, figura que lidera o escalafon. Não quis ficar a trás dos seus oponentes e sacou tudo o que o touro tinha para dar, que diga-se, era muito pouco. Uma estocada acabou com o touro, saudando de montera na mão nos tércios.
Saiu o quarto da tarde para José Tomaz. O touro saiu solto, não se ligando no capote. Desta vez, bem bandarilhado por um elemento da quadrilha de José Tomaz, o touro foi para o tércio de muleta. E aqui regressou José Tomaz. Começou por naturais, baixando muito a mão, obrigando o touro a investir muito baixo, retirando-lhe força e velocidade. De seguida, ainda por naturais, mas agora mais altos e mais bonitos, engoliu literalmente o touro. O tempo parou em Huelva. Touro e toureiro tocavam-se em todos os passos, raspavam um no outro. Toda a praça estava em autentico sobressalto, tentando adivinhar o momento em que José Tomaz seria colhido. Recordo uma situação em que o touro parou encostado ao toureiro e ele, qual estaca, pés bem firmados ao chão, parecendo que estava, colados com "cola tudo", sem mexer. Aqueles segundos, parecem uma eternidade. Se o touro tem abanado os rins, o homem vinha sentar-se a meu lado na bancada. Mas a justeza dos passos de José Tomaz era pela esquerda de pela direita.
Li uma entrevista de José Tomaz, publicada num jornal nacional, onde ele dizia que o toureio era uma ocupação de espaços. Nessa luta pela ocupação dos espaços, estavam o toureiro e o touro. O primeiro que chegasse ocupava o espaço, pelo que era o outro que tinha de se desviar. E referia ele; "Eu não me desvio". E não se desvia mesmo. José Tomaz foi pouco elegante quando referindo-se a esse grande toureiro chamado Enrique Ponce, disse que entre Ponce e o touro, toureio eu. Não sei se é verdade, mas sei que entre José Tomaz e o touro não toureia absolutamente ninguém. Tomaz não se defende. Não oferece o bico da muleta, seja pela esquerda, seja pela direita. Cruza-se com o touro e oferece o seu corpo. É verdade que não tem a técnica de Morante, nem a beleza de Roca Rey, nem sequer o carisma de El July. O homem é circunspeto, não puxa pela assistência. Mas não precisa. Os dez ou quinze minutos que dura a lide de muleta de José Tomaz, transportam-nos para um outro estadio. Fora da praça, chamavam-lhe "El louco", "herói", "toureiro", havendo até alguém que dizia que José Tomaz procura a morte ou a imortalidade em cada lide. É capaz de ser tudo verdade. José Tomaz é um pouco de tudo aquilo, ou é mesmo aquilo tudo bem mexido. Não sei se ele procura a imortalidade, mas que a tourear assim, arrisca-se a encontra-la.
Terminou esta lide tremenda, com um touro brusco, que ele foi domando ao seu estilo, com uma estocada fulminante que fez cair o touro imediatamente. Teve direito a duas orelhas, concedidas de forma imediata, havendo ainda uma forte petição para o rabo, petição não aceite pelo diretor de corrida.
Para o quinto da tarde, avançou Lopez Simon, e o homem entrou no ruedo com cara de poucos amigos, disposto a comer tudo o que encontrasse pela frente. Lanceou com enorme classe de capote, com "chicuelinas" e "revoleras". Abriu o livro e toureou de capote a gosto. Apercebeu-se imediatamente que tinha um touro a gosto, que nada tinha a ver com o primeiro que lhe havia calhado em sorte. Depois com a muleta, abriu o livro e mostrou que o lugar que ocupa no escalafon, não é por acaso ou por sorte. É por classe. E essa, Lopez Simon, tem-na aos montes. Foram séries profundas e longas pela direita e pela esquerda, sempre terminadas com passes de peito cingidos e corretos. Procurou e encontrou touro em todos os terrenos.
Mandou na sorte. Depois meteu o público no bolso com estatuários. Mas ele queria mais. Já não era o público, que esse já estava rendido ao seu toureio. Era ele, a sua diginidade, a sua raça, o seu querer que queria mais. Num gesto de garra, tirou os sapatos ou as sabrinas, fixou os pés no chão, e foram passes redondos, amarrados por todos os lados. Também ele encontrou touro em todo lado, mas não é menos verdade que o touro encontrou toureiro em todo o lado.
Estocada certeira e duas orelhas, justas e merecidas.
O sexto da tarde, calhou a David Miranda e à semelhança do terceiro, foi o touro mais fraco da corrida. David Miranda, miúdo com pinta de toureiro, entrou calmo, pois no primeiro, o touro da sua alternativa, um touro chamado "Distante", mas que concedeu ao toureiro a glória de abrir a porta grande da praça da sua terra no dia da sua alternativa. Toureou com classe de capote, mas prolongou demasiadamente as séries, obrigando o touro e um esforço enorme. Faltou-lhe a experiência de ver que o touro tinha muito pouco para dar. Quando chegou à muleta, já não existia oponente. Assistimos então a uma lide morna, sem chama e sem nada de relevo. David Miranda saudou o público de montera na mão, nos tércios, tendo-se assistido a uma petição de orelha pelo público, não aceite e bem pelo diretor de corrida. O publico queria muito dar mais uma orelha ao seu toureiro, mas andou muito bem o diretor de corrida, negando esse troféu, já que a lide não o merecia.