Todos sabemos que o emprego garantido para a vida é uma realidade ultrapassada e que a mobilidade, a polivalência e a abertura a novos desafios são qualidades a valorizar. O acomodamento a certezas inquestionáveis tolda a criatividade e o espírito de iniciativa.
Daí não resulta que a incerteza, a total precariedade e a fragilidade perante as suscetibilidades da conjuntura económica e as prepotências hierárquicas devam moldar uma vivência desejável nas relações pessoais e profissionais.
Entre a praça da jorna da compra da força de trabalho próxima da servidão e a carreira garantida com promoções por antiguidade até à reforma, há um mundo por construir na defesa da dignidade do trabalho com direitos.
Entre as marcas da selvajaria social dos quatro anos do PREC de direita, que lançou as sementes dos, até há semanas, impensáveis tempos políticos que estamos a viver, conta-se o desprezo pela dimensão social do trabalho, do qual se passou a falar como custo de contexto, ou das reestruturações que substituíram os despedimentos.
Passos não mediu a catastrófica dimensão do seu lamento de não ter conseguido levar a desvalorização interna ao ponto de baixar o salário mínimo, ao contrário da Irlanda, que o reduziu para cerca de 1400 euros. Mas conseguiu que o trabalho precário se tornasse a regra até aos 35 anos, que o despedimento chegasse a setores como a banca ou a administração pública e que o salário mínimo deixasse de ser uma mera referência estatística passando a ser a remuneração de cerca de 20% dos trabalhadores.
Se acrescermos a tudo isto a banalização da emigração a níveis desconhecidos desde os tempos da guerra colonial, temos o caldo de cultura que fez sucumbir o arco da governação e emergir uma inesperada convergência para a mudança e um insólito diálogo plural das esquerdas.
Levaremos anos a sarar as feridas de quatro anos de conflito e importa construir compromissos políticos e sociais para os novos tempos. A retoma da confiança e a redescoberta da centralidade da concertação social são os principais desafios da alternativa de Governo com apoio parlamentar maioritário que cabe a António Costa apresentar a Cavaco Silva.
Até lá, Passos e Portas irão experimentar as agruras do trabalho precário e sem perspetivas de futuro.