Barra Cofina

Correio da Manhã

Colunistas
6
Piloto morre em corrida de motos no Estoril

Eduardo Cintra Torres

O jornalismo e os incêndios

Não se pode blablázar sobre o interior abandonado e depois condenar a informação sobre as consequências desse abandono.

Eduardo Cintra Torres 6 de Agosto de 2017 às 00:30
Nos jornais do princípio do século XX, que andei a estudar, não há notícias de incêndios florestais. Só de fogos urbanos. Os principais jornais tinham correspondentes em muitos concelhos rurais, pelo que a ausência de informação se explica por outras razões. Decerto havia incêndios. A razão, a meu ver, era outra: nem a sociedade civil nem as elites, incluindo a mediática, lhes davam importância.

Fiquei disso convencido nos anos 80. Fazendo eu jornalismo sobre assuntos de Defesa para uma agência de notícias, a NP, fui convidado pela Força Aérea para voar num jacto de combate, o então "polémico" A7. No único avião de dois lugares, para instrução, subi de Monte Real e o experiente piloto levou-nos a sobrevoar todo o Portugal continental até ao Algarve, depois pelo interior até Trás-os-Montes, Minho e regresso pelo litoral à base aérea.

Era um dia claro de Verão. Para além da experiência única de voar num jacto de combate, o que mais impressionou foi ver lá do alto muitas dezenas de colunas de fumo dos incêndios florestais. Muitas dezenas, para não dizer mais de uma centena de incêndios em simultâneo.

A minha reportagem para a agência sublinhava essa experiência vivida, mais do que falar dos jactos da Força Aérea. Escrever sobre os incêndios, e de tantos em simultâneo, era novidade que não se via nos jornais. Menos ainda na única televisão, a RTP, interessada então apenas no Portugal sentado do governo e das entidades. Como a agência distribuía o serviço para todos os media nacionais, pensei ingenuamente que a reportagem teria impacto e seria reproduzida ou o tema repescado com abundância. Enganei-me. Só dois jornais deram atenção ao meu trabalho.

Foi a chegada das TV privadas que criou o interesse nacional pelos incêndios florestais. A imprensa escrita arrastou-se atrás dela. Pode dizer-se, com razão, que as imagens são fortes, dramáticas e que é também por isso que a TV as mostra. Mas é mais importante sublinhar o serviço público que prestam. Não se pode blablázar sobre o Interior abandonado e depois condenar a informação sobre as consequências desse abandono.

Os governos e alguma elite lisboeta odeiam a informação televisiva sobre os incêndios. Acham que a opinião política dos portugueses muda à conta delas. O governo de Sócrates e António Costa foi o primeiro a criar censura e pressão sobre o jornalismo a este respeito. O actual governo seguiu-lhe as pisadas com a lei da rolha. De nada lhe serve. Sobrepõe-se o interesse da população afectada e de todos. Noticiando esta importante realidade, o jornalismo melhorou em relação ao de 1900 ou dos anos 80.

Não agradeçam, mas tenham maneiras
Escrevi aqui domingo passado: "As aldeias mais portuguesas de Portugal em 2017 são as aldeias vitimadas pelos incêndios […], esquecidas e abandonadas pelo mesmo Estado que promove o renascimento do concurso salazarista" na RTP. Na mesma noite, a RTP e os organizadores do programa 'Sete Maravilhas - Aldeias' anunciaram em directo que a última gala eliminatória do concurso será feita em Pedrógão Grande. Já no passado me aconteceu o mesmo.

A minha ideia de envolver a sociedade civil na RTP 2 foi considerada um disparate, mas depois posta em prática a partir de 2004. Outra "disparatada" ideia minha - a de colocar o arquivo da RTP na Internet - foi posta em prática para benefício de todos. Não espero um obrigado nem referência pública; prefiro o silêncio. Apenas cumpro a dimensão de serviço público da crítica. Mas acho mesquinho a RTP aplicar ideias e depois condenar-me em entrevistas, como têm feito responsáveis seus, incluindo o seu presidente, Gonçalo Reis.

O directo de um pai a quem morreu uma filha
As declarações voluntárias à TVI do pai da criança morta por uma avioneta na Caparica, ainda na praia, foram inquietantes. Em choque, destroçado, foi ele quem abordou a televisão. A TVI pô-lo em directo. Não devia tê-lo feito? Não sei responder. O directo é insondável. Só se sabe o que acontece quando acontece. Mas provavelmente não devia.
Ver comentários
C-Studio