Na queda do avião alemão da Germanwings, que vitimou 150 pessoas, as conclusões tiradas em tempo recorde pelo Ministério Público francês revelam um tipo de raciocínio que é muito convincente mas deixa algumas interrogações no ar. Segundo parece, os dados da caixa negra revelam que o copiloto acionou os comandos para a descida, impediu o acesso do piloto ao cockpit e respirou "fortemente" até ao embate.
Com esses dados, o procurador concluiu que não pode deixar de ter havido uma ação voluntária do copiloto. Trata-se da hipótese mais plausível, mas, para a investigação ser perfeita, não se percebe bem se outras hipóteses foram colocadas e excluídas. Não pode ter havido, por exemplo, um desfalecimento do copiloto por qualquer causa e uma falha técnica no sistema de acesso ao cockpit, sem obstrução humana?
Ainda não existem dados consistentes sobre eventuais distúrbios de personalidade do copiloto, que seriam essenciais para fundamentar a inferência feita pelo Procurador de Marselha, para além de qualquer dúvida razoável. Uma comunicação tão veemente e rápida, invulgar nos acidentes de aviação, produz pavor quanto à origem da ameaça (a tripulação), mas tranquilidade quanto à qualidade técnica dos aviões.
Poderemos confiar nas máquinas e na tecnologia, mas não nos seres humanos? Apesar de esta conclusão poder beneficiar as companhias de aviação, eximindo-as de responsabilidades pelas mortes, resta saber se não poderá haver responsabilização pelo fator humano, mesmo quando este se manifesta tão surpreendente. Talvez se gere uma controvérsia jurídica entre as famílias das vítimas e a companhia de aviação.
Para responder a todas estas interrogações, falta, porém, uma terceira caixa negra que ainda não foi concebida. Essa caixa negra permitiria revelar a experiência de si próprio vivida por aquele jovem e o sentido do que pensou e fez (partindo do pressuposto de que o fez mesmo). A análise da sua história é não só uma necessidade prática mas também uma necessidade moral de defesa de cada um contra si mesmo.