Há pessoas a quem o serviço nacional de saúde não assegura cuidados necessários, como, por exemplo, as crianças vítimas da distrofia de Duchenne, que não têm acesso a meios de tratamento disponibilizados no resto da Europa, com o argumento de serem dispendiosos. Os portugueses pobres e da classe média sofreram uma degradação das condições de vida e muitos perderam a esperança de obter um estatuto digno.
Em véspera de eleições, estas questões deviam ocupar o espaço público. Porém, o grande debate da atualidade respeita à transferência do treinador de um clube para outro. As massas ululantes de adeptos (incluindo os mais pobres) continuam a apoiar um sistema que cria ídolos milionários a quem tudo é permitido se marcarem golos. Trata- se de uma tragicomédia por detrás da qual circulam muitos milhões de euros.
O circuito é produtivo, cria emprego ou melhora o estado da economia? Apesar de se poder concluir que a circulação de capital tem um efeito positivo numa economia de mercado, é escandaloso que o serviço nacional de saúde não suporte o tratamento de doenças graves e se paguem quantias obscenas a treinadores e futebolistas. É difícil justificar este exagero perante tantos portugueses sem esperança no futuro.
O desporto é positivo como meio de desenvolvimento de capacidades físicas e intelectuais e também como modo de diversão. Mas são raras as contribuições do futebol para os mais necessitados ou para as causas nacionais. O que tem para oferecer aos desempregados? Como pode contribuir para combater a violência juvenil? O futebol fecha-se num mundo à parte e submete-se a uma lógica interna artificial e pueril.
Ao ouvir falar dos milhões de euros de vencimento de um treinador, sou obrigada a pensar no desespero do pai de Hugo, um menino com a distrofia de Duchenne a quem o serviço nacional de saúde diz não poder apoiar. Não há uma distorção das coisas? O futebol milionário será estranho a todas estas carências? A ausência de responsabilidade pelos problemas dos mais necessitados não será uma grave doença social?