O espancamento de um adolescente por outros jovens (divulgado nas redes sociais) e a suspeita de que uma criança de 14 anos foi assassinada por um rapaz de 17, por motivo fútil, após espancamento com uma barra de ferro, revelam o nível explosivo em que certos jovens se encontram na sociedade portuguesa. Vivem e crescem como almas penadas num mundo sem referências e não reconhecem a dignidade própria e alheia.
Na linguagem do Direito, motivo fútil é uma fórmula que abrange casos em que a desproporção entre motivação e desvalor do crime patenteia uma especial perversidade e censurabilidade do agente. Noutra perspetiva, a futilidade indicia distúrbios mentais. Com efeito, a desproporção entre motivação e crime revela um raciocínio inconsistente, em que não se divisam vantagens materiais ou morais do delinquente.
Esta perspetiva pode conduzir à qualificação do homicídio, que será então punível com prisão de 12 a 25 anos. Mas será esta solução, consentânea com uma visão mais moralista do Direito Penal, a adequada para estes casos? Há uma linha da psiquiatria forense que entende que sim, acreditando na eficácia retributiva da pena para responder às chamadas psicopatias, que seriam, afinal, graves anomalias morais.
Porém, as explosões criminosas entre adolescentes (como a violência doméstica) surgem num tempo de desespero que leva a questionar se não há uma projeção demencial das dificuldades sociais geradora de um problema coletivo. A política criminal daria um passo de gigante se encarasse estes casos como problema da sociedade e não como fatalidade tratada apenas pela via punitiva e por discursos políticos ocos.
O psicólogo Peter Fonagy, do Centro Anna Freud, que estará na Faculdade de Direito de Lisboa a 22 de maio a convite do Instituto de Direito Penal, defende que as personalidades "border line" não são casos perdidos. Durante o crescimento, a incapacidade de relacionar a experiência interior com as emoções poderá ser corrigida, através de uma terapia de mentalização que desenvolva a coerência comportamental.