Como qualquer pai que acha que no seu tempo é que era, quis mostrar à minha filha os melhores desenhos animados de sempre: Dartacão. Enfadada, lá acedeu. Às tantas, quando Dartacão melindra a honra dos Três Moscãoteiros e cada um deles o desafia para um duelo, a minha filha pergunta porque é que Mordos, Dogos e Arãomis, se se sentem desconsiderados por Dartacão, vão andar à bulha em vez de ir para o Twitter organizar uma petição a exigir que o pequeno beagle se retracte e não repita a ofensa?
Qual das duas formas pouco civilizadas de reagir será a mais imbecil? Andar à pancada e forçar o outro a parar de ofender ou arregimentar outros queixinhas, montar uma campanha de pressão online e forçar o outro a parar de ofender? Não sei. Mas a das petições não dá desenhos animados tão giros. O Dartacão a responder aos indignados no Facebook não tem tanta graça quanto andar à espadeirada com o Conde de Rocãoforte.
Em Portugal, só no último mês, tivemos um músico a retirar um vídeo do ar, uma conta de Twitter humorística do Primeiro-Ministro apagada, um protesto para retirar dos manuais escolares poemas de Luísa Ducla Soares, petições para o BE retirar um cartaz e petições para impedir a publicação de um livro de Henrique Raposo. Portugal pode não ser um país competitivo, mas é muito petitivo.
Há uma diferença óbvia entre criticar um livro, um cartaz ou uma música e querer impedir a publicação desse livro, cartaz ou música. A crítica é legítima, a proibição não. O facto de não ser a lei a coarctar a liberdade de expressão não significa que ela não seja posta em causa. Há várias formas de o fazer, mas a minha predilecta tem de ser: "Isso que disseste deixa-me desconfortável. Agora desconforta também um muçulmano!"
O Bloco fez um cartaz com Jesus? Faça um com Maomé. O Henrique Raposo fala de suicídio no Alentejo? Fale também do suicídio no Iémen. Os manuais escolares têm rimas com meninas que são pretas e meninos que levam estaladas? Ponham uma rima em que uma petiza saudita fica com a burca presa numa porta giratória.
O que este argumento quer dizer é: "Reparem como nem sequer somos muito chatos com isto da liberdade de expressão, não somos como os maometanos, até têm sorte de permitirmos tanto e não vos decapitarmos." Os indignados até admitem ser ofendidos, desde que também se ofendam outros. Mas isso é acoplar um dever à liberdade de expressão. Se comporta um dever, deixa de ser livre (já para não falar da dificuldade que é encontrar um muçulmano para ofender em Portugal).
Querem mudar a definição de tolerância. Já não é: "Tolero que digas o que não gosto de ouvir, fala." Passa a ser: "Tolera que eu não goste de te ouvir, cala-te." Será um péssimo dicionário, mas não o vou queimar. Limitar-me-ei a não o comprar.
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Veio DiCaprio e pintou um clima
Há 19 anos que o aquecimento global estagnou. Apesar de desde 1997 se ter emitido 1/3 de todo o CO2 pós-Revolução Industrial. A falta de correlação entre aumento de emissões e da temperatura não impediu DiCaprio de lançar um apelo. É natural: em 1997, DiCaprio passou metade do ‘Titanic’ em água gelada. Depois disso, o mundo parece mais quente. Então, encoraja-nos a voltar ao séc. XIX. Onde as pessoas se deslocam a pé, são atacadas por ursos e outras coisas que são giras num filme, mas maçadoras na vida real. Fazer de conta que se vive em 1823 não é a mesma coisa que viver em 1823.
Não só é estadista, ainda faz análise literária da boa!
"As companhias de teatro independentes também têm de passar pelos concursos. Mas há a velha frase de Orwell: ‘Todos são iguais, mas uns mais iguais do que outros.’ Há pessoas que têm direito a um estatuto apesar de tudo diferente. O LM Cintra é o LM Cintra, o João Mota, o João Lourenço (…) merecem o nosso respeito." João Soares, ‘Expresso’, 20/2. JS editou o ‘Triunfo dos Porcos’, mas não o percebeu. Novilinguou o próprio Orwell e usa a frase que arrasa o estalinismo para justificar compadrio no MdC. E ainda chama porcos a encenadores.
McDonald's foi menino ou menina?
Espero que a McDonald’s volte atrás e mantenha os brinquedos de menino e de menina. Fico sempre ansioso quando encontro um amigo com filhos pequenos e não sei identificar se são rapazes ou raparigas. A cor da roupa e os brinquedos ajudam quem sofre dessa angústia social. Preciso de pistas, para não melindrar. Preocupo-me mais comigo do que com as crianças. As crianças são fortes.
Se uma criança come Happy Meals suficientes para chegar a traumatizar-se, a identidade sexual é o menor dos seus problemas. Balofa, com cáries, má pele e puns fétidos, quando crescer não se safa com pessoa de género nenhum.
Sugestão para próxima campanha activista: acabar com a página de passatempos dos jornais. Não se admite que as crianças sejam encorajadas a descobrir e apontar as diferenças.