Carlos, chamemos-lhe assim, estava a tomar um retemperador duche de água quente, indispensável para combater uma fria madrugada de outubro.
De repente, pela casa de banho do apartamento irrompe um homem, numa cena hitchcockiana. Só que, aqui, o invasor não atacou à facada. Pelo contrário, saiu e trancou a porta por fora. Carlos manteve-se impávido e sereno, finalizando o seu banho com toda a calma.
Tudo isto aconteceu, factualmente, na cidade de Tomar, corria o ano de 2006. Mas, caro leitor, a exemplo de frases como ‘Traz-me aqui essas bolas’, importa, e de que maneira, explicar o contexto em que toda a situação se desenrola.
Recuemos uns 20 minutos. Carlos, de 25 anos, um jovem servente de pedreiro já com comportamentos nada recomendáveis no currículo, decidiu arrombar a porta de um apartamento, provavelmente para roubar. Não há certezas, porém, será pouco crível que quisesse apenas dar a conhecer aos moradores a palavra do Senhor.
Perante o silêncio na habitação, Carlos julgou estar sozinho e, consequentemente, à vontade. Ora, então, siga lá tomar uma banhoca, que isto de ser servente de dia e criminoso à noite é uma canseira e há que manter a higiene.
O rapaz não sabia, mas tinha companhia. Uma senhora já com alguma idade, que acordou com o barulho feito no arrombamento. Como pensou tratar-se de um neto que também costumava ficar lá por casa, e ao aperceber-se depois da água a correr, voltou a dormir. Carlos, esse, lá se esfregava com o melhor gel de banho.
A sorte estava a acabar. O proprietário do apartamento, de 63 anos e que trabalhava à noite, chegou do seu emprego. Ao ver a porta arrombada, começou a temer o pior. Ouviu o chuveiro e dirigiu-se à casa de banho. Viu Carlos totalmente nu e, naturalmente horrorizado, fechou logo a porta à chave, chamando a PSP, enquanto verificava que a sua mulher estava ilesa. E a verdade é que Carlos se manteve mesmo sereno. Certamente conhecedor do Código Penal, sabia que ainda nada tinha roubado e que apenas incorria no crime de violação de domicílio ou algo similar. Secou-se e vestiu-se, a tempo da chegada da polícia. Não justificou o ato, mostrando-se desorientado. Pediu desculpa e comprometeu-se a pagar os estragos, quiçá até a conta da água. Os beneméritos lesados deixaram cair a queixa e lá foi o homem à sua vida. Limpinho, limpinho.