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Correio da Manhã

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Vanessa Fidalgo

A aldeia dos trasgos

Segundo rezam as lendas de Trás-os-Montes, os trasgos são pequenos seres encantados.

Vanessa Fidalgo 11 de Dezembro de 2016 às 00:30
Segundo rezam as lendas de Trás-os-Montes, os trasgos são pequenos seres encantados. Uma espécie de duendes que vivem ao lado dos homens, mas sem se deixarem ver.

Usam gorros vermelhos, têm o nariz adunco e poderes sobrenaturais. O povo acha ainda que são a encarnação das "almas penadas" das crianças que partiram e, talvez por isso, são traquinas e retornam a este mundo para pregar partidas: partem louça, quebram vidros, arrastam móveis, espalham a fruta, mudam os objetos de lugar, principalmente durante a noite! Quando estão lá fora, também não há nada que fique sossegado. Desmancham os fardos de feno e até espantam os bichos, que geralmente têm faro apurado para dar com eles.

O povo de Trás-os-Montes não tem medo deles, mas também não costuma ignorar as suas tropelias.

Foi o que aconteceu certa vez numa aldeia remota no meio da serrania. Já lá viviam poucos e raramente recebiam visitas, sobretudo no inverno, porque a neve invariavelmente cortava os caminhos. Ainda assim, tinham somente por hábito juntar-se só no verão, para a procissão.

Quando dezembro entrou no calendário, coisas estranhas começaram a acontecer. Numa das casas, os bancos partiam-se mal alguém se sentava. E não valia a pena consertá-los, pois era certo que o dono tornaria a aterrar de rabo no chão. Havia quem se queixasse de burburinhos noturnos nas dispensas, das sacas de trigo derramadas pelo chão.

Na casa mais abastada da aldeia, os criados sentaram-se para a refeição e quando se quiseram levantar para ir servir os patrões, tinham ficado com as roupas amarradas às cadeiras. Foi tal a confusão, que até o fidalgo teve de ir à cozinha pôr cobro aos gritos das mulheres que se contorciam no chão, emaranhadas umas nas outras e com as cadeiras às costas.

O fidalgo coçou a barba e estranhou. Achava que aquilo queria dizer qualquer coisa, até porque há anos que vinha sucedendo na mesma época do ano. Ordenou então que nesse ano todos se juntassem no largo e ceassem juntos, pois acreditava que isso acalmaria os diabretes. Na noite de Natal, assim fizeram os aldeões: cada um levou o que podia, beberam e riram e no fim rezaram juntos a Missa do Galo. Não houve sustos nem partidas. E não se sabe se era do vinho, obra dos trasgos ou somente as estrelas, mas havia quem garantisse que, nesse ano, até houve luzes a bailar no céu... 
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