No recôndito lugar de Valverde, ilha de Santa Maria (Açores) vivia um moleiro com a mulher e uma filha ainda moça e muito bonita.
Estava quase em idade de casar, mas o pai ainda não tinha decidido qual o melhor partido para a sua mão. Por isso, passava os dias entretida no vale, ajudando ora a mãe ora o pai nas lides do campo.
Numa noite de luar, a rapariga desapareceu de casa sem deixar rasto. Houve quem dissesse que se tinha lançado ao mar. Houve quem dissesse que as bruxas a tinham encantado!...
O tempo foi passando e a tragédia do desaparecimento da filha do moleiro era contada aos serões à mistura com histórias de almas penadas e feiticeiras. Já ninguém sabia ao certo onde começava ou terminava a ficção…
Num lindo dia de primavera, passados cem anos, as lavadeiras foram com a roupa suja para a ribeira, como de costume. Uma delas, mais velha, não teve tempo para lavar tudo, embora tivesse esfregado e espanejado de sol a sol. Continuou o trabalho quando a noite caiu, pois a lua estava clara como se fosse de dia.
Subitamente, o ruído dos grilos foi cortado por um grito profundo. Durou apenas uns segundos, mas a velha assustou-se e largou a correr espavorida pelas margens. Foi então que a viu. Pousada sobre a ribeira estava a mais bela rapariga que alguma vez tinha visto, completamente nua. Os cabelos brilhavam como ouro, tinha uma mão fechada e na outra um fuso que girava, enrolando um fio de prata.
A velha ficou muda e queda.
— Sou aquela tal moça que os vossos avós conheceram. Estou há mais de um século neste martírio… apareço de sete em sete anos, neste dia e a esta hora, à espera do rapaz que possa quebrar esta maldição. Só a ele pertencerei!
Depois de dizer estas palavras, abriu a mão esquerda, mostrou três moedas de oiro e desapareceu. A lavadeira voltou para casa, mas no dia seguinte, lá foi contando a sua história e o caso espalhou-se. Passados sete anos, vários rapazes de Valverde foram sentar-se nas margens da ribeira com a esperança de ver a moça, mas nunca mais ninguém a viu. Garante é o povo que, de vez em quando, o céu se tolhe de nuvens e inunda-se de raios e trovões que mais parecem gritos… Pelo menos é esta a história que ainda hoje se conta na ilha de Santa Maria (segundo a investigadora de património oral Ângela Furtado-Brum em ‘Açores: Lendas e outras Histórias), e que continua a seduzir os moços e a assustar as crianças...