Sempre prudente, a sabedoria popular gosta de vincar que as lendas têm sempre um fundo de verdade.
Uma suspeita que se insinuou inopinadamente na alentejana vila de Cuba, quando a real descoberta de uma série de cadáveres, há muitos anos encarcerados dentro de um poço, corroborou uma antiga crença popular que, até ao macabro achado, apenas pretendia meter medo a miúdos na hora de ir para a cama e graúdos de espírito sensível.
Pois o caso deu-se assim: bem no centro da vila, num largo que hoje é conhecido como Terreiro da Fonte, havia antigamente um poço quadrado com mais de oito metros de profundidade coberto por uma enorme abóbada onde, segundo antigos registos do património arquitetónico local, estava pintado um fresco com a representação de São Miguel a ferir o demónio.
Na representação, São Miguel - o protetor dos polícias, – bem desferia um golpe mortal na besta. Mas isso não bastava para que o povo se sentisse protegido. Chamava-lhe o ‘Poço do Diabo’ e acreditava que, na enigmática escuridão da noite, reuniam-se à sua beira todas as coisas más: "bruxas, duendes, fantasmas e diabretes"; diziam as vozes do povo. Seres malévolos que pela calada da noite emergiam da profundeza das águas amaldiçoadas e orquestravam toda a espécie de diabruras e enguiços. Por isso, quem ali passasse depois da meia-noite sem fazer o sinal da cruz seria logo agarrado pelos mafarricos e afogado no poço sem dó nem piedade!
Contado assim desta forma, parece somente mais uma pitoresca crendice do povo, alimentada pela inocente herança das gerações. Só que, desta vez, o diabo teceu bem a sua teia...
No século XIX, quando a Câmara Municipal de Beja decidiu demolir a abóbada para atafulhar o poço e dar início à requalificação da praça, descobriram-se no seu interior vários cadáveres.
A identidade dos mortos correspondia com exatidão aos registos de desaparecimentos verificados ao longo de décadas e décadas na região, mas mesmo assim a causa das mortes e sobretudo a sua tétrica sepultura coletiva permanecem ainda hoje no mistério dos deuses… ou será mais apropriado dizer ‘dos demónios’?
Apenas a lenda deixou de ser simplesmente uma historieta para ganhar contornos tragicamente reais e confirmar os piores pesadelos das gentes de Cuba...