Segundo conta a história, Montemor-o-Velho foi reconquistada aos mouros, pela primeira vez, no tempo do rei Ramiro, senhor de Leão, no ano de 848. Mas por vezes a história enreda-se com a lenda e, por isso, também se conta que depois da sangrenta vitória, D. Ramiro dirigiu-se ao Mosteiro de Lorvão para agradecer a conquista e visitar um parente, o abade D. João.
Quando lá chegou, porém, teve uma desagradável surpresa: os frades viviam na mais completa miséria, sujeitos à fome, ao frio, às pilhagens e às guerras.
Condoído, Dom Ramiro doou-lhes as rendas de Montemor-o-Velho e alguns campos de cultivo em redor, com a condição de ali ficarem sempre alguns monges hábeis no manejo das armas para defender a recém-conquistada posição. E foi assim que o abade João se mudou para a vila com um pequeno grupo de monges-guerreiros, a fim de cumprir o prometido.
A paz foi de pouca dura. Os mouros voltaram a atacar violentamente e a vila ficou cercada durante meses a fio. Os bens começaram a escassear e, à míngua de água e alimentos, parecia inevitável o povoado soçobrar.
Perante a ameaça de uma rendição forçada e temendo as atrocidades que seriam feitas aos velhos, mulheres e crianças, cada homem reuniu a família e, encomendando as suas almas a Deus, degolou todos os seus membros um a um. Com o coração dilacerado, homens e monges prepararam-se então para a derradeira batalha, no exterior da fortaleza. A morte era a sua única certeza...
Mas, talvez porque já não tinham nada a perder, os cristãos lutaram sem medo e sem dó, vencendo num duro e sangrento confronto corpo a corpo. Todavia... nunca o gosto da vitória tinha sido tão amargo! Desolados e feridos, os homens choraram pelo sacrifício inútil das suas famílias.
Com as pernas trôpegas e o coração vazio, os guerreiros regressaram silenciosamente à fortaleza. Quando se aproximaram, porém, foram recebidos com ovações e gritos de alegria!
Os homens entreolharam-se confusos. Sabiam que do lado de lá, só podiam encontrar almas penadas... ou talvez não! Dentro das muralhas, aguardavam-nos vivos e cheios de saudade os parentes que tinham sido degolados! "Milagre!", gritou-se, sobre o episódio que ainda hoje é contado pelo povo como a ‘lenda dos degolados de Montemor-o-Velho’.